Listão da Semana,

Livros com protagonistas travestis e mais 9 lançamentos

Fechando o mês do orgulho LGBTQIA+, dois lançamentos têm travestis como protagonistas: ‘O parque das irmãs magníficas’, da argentina Camila Sosa Villada, e ‘Elvis & Madona’, de Luiz Biajoni

01jul2021 | Edição #46

Junho foi o mês do orgulho LGBTQIA+. É importante lembrar: o Brasil é o país que mais mata as pessoas representadas por essa sigla no mundo. A literatura sozinha é insuficiente para reverter o cenário (algo que depende de educação, conscientização, políticas públicas…), mas pode contribuir para a luta coletiva. Nesta semana, dois lançamentos têm travestis como protagonistas: O parque das irmãs magníficas, da argentina Camila Sosa Villada, e Elvis & Madona, de Luiz Biajoni. Representatividade importa — na vida e na arte.

Completam a seleção da semana o primeiro romance de Tarantino, um testemunho em primeira pessoa sobre a análise de Lacan, histórias de países que não existem mais, um tratado sobre cidades feministas, o best-seller da ganesa Taiye Selasi, um livro infantojuvenil sobre o passinho, a biografia de Eric Hobsbawm, um mapa fantástico de São Paulo e uma peça de Oduvaldo Vianna Filho, criador da série A grande família.

Viva o livro brasileiro!

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O parque das irmãs magníficas. Camila Sosa Villada.
Trad. Joca Reiners Terron • Planeta/Selo TusQuets • 208 pp. • R$ 49,90

A atriz, cantora e escritora argentina retrata a difícil vida de um grupo de travestis no Parque Sarmiento, em Córdoba, cidade repleta de igrejas e extremamente conservadora. Expulsas de suas casas, elas se veem forçadas a se prostituir para sobreviver e sofrem com a violência da polícia e dos clientes. Em 2020, o livro recebeu o prestigioso prêmio Sor Juana Inés de la Cruz, outorgado pela Feria Internacional del Libro de Guadalajara (FIL). 

O parque das irmãs magníficas é o livro de julho do Clube 451, no qual todo mês os assinantes recebem a revista impressa e um livro recém-lançado escolhido por nossos editores.

Trecho do livro: “Na verdade, somos noturnas, para que negar isso. Não saímos de dia. Os raios de sol nos enfraquecem, revelam as indiscrições de nossa pele, a sombra da barba, os traços indomáveis do homem que não somos. Não gostamos de sair de dia porque as massas se revoltam diante dessas revelações, expulsam-nos com insultos, querem bater na gente e dependurar nas praças. O desprezo manifestado, a desfaçatez de nos olhar e não se envergonhar disso”.

Ouça também: No podcast Revoar, especialistas tentam responder por que o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis em todo o mundo.

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Elvis & Madona: uma novela lilás. Luiz Biajoni.
Bazar do Tempo • 180 pp. • R$ 55

A edição celebra os dez anos de lançamento da novela sobre o relacionamento entre a motoboy lésbica Elvis e a travesti Madona em Copacabana. Tudo começou quando o escritor publicou na internet, em 2004, Sexo anal – uma novela marrom, lançada em edição impressa no ano seguinte. Em 2008, durante as filmagens de seu filme Elvis & Madona, o diretor Marcelo Laffite baixou o livro da internet e viu que os personagens do romance eram muito parecidos com os de seu filme. Trocou e-mails com Biajoni, mandou-lhe a primeira versão do filme e fez uma proposta: “Será que essa história não cabe num livro?”. Biajoni aceitou: “Não podia perder a oportunidade de trazer esses dois personagens maravilhosos para o meu universo. A história de amor está ali, mas as tramas policiais foram ampliadas. E eu também imaginei uma infância e uma juventude para Elvis e Madona. E mudei o final, vingando todos os autores que tiveram seus livros modificados por cineastas”.

Leia na íntegra o prefácio que Amara Moira escreveu para o livro.

Leia também: Ensaio fotográfico constrói ponte entre os mundos travesti e cis; memórias do primeiro homem transexual a passar por cirurgia de redesignação de sexo no Brasil mostram seu ativismo pioneiro; três livros problematizam comportamentos vistos como femininos e masculinos nas crianças.

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Era uma vez em Hollywood. Quentin Tarantino.
Trad. André Czarnobai • Intrínseca • 560 pp. • R$ 49,90/34,90

O renomado cineasta explora o universo literário pela primeira vez com o livro baseado em seu filme homônimo, lançado em 2019. O nono longa-metragem de Tarantino tem como protagonistas um astro decadente, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), e seu melhor amigo, Cliff Booth (Brad Pitt), um dublê um tanto envelhecido que também começa a perder oportunidades de trabalho. Os dois procuram reverter essa trajetória declinante e acabam se cruzando com os adolescentes hippies que idolatravam Charles Manson e que tentam matar a atriz Sharon Tate, vizinha de Rick. Tarantino disse que decidiu transformar o filme (que lhe rendeu o Globo de Ouro de melhor roteiro e um Oscar de melhor ator coadjuvante para Brad Pitt) em um romance para aprofundar a personalidade dos personagens, explicando melhor o passado de Cliff — veterano condecorado da Segunda Guerra Mundial que pode ter matado sua mulher — e estendendo a história para além do final visto nas telas.

Leia também: Em Bacurau, Kleber Mendonça Filho volta ao tema da luta pela terra com tempero tarantinesco; por que filmes como Bacurau, Coringa e Parasita nos fazem sentir empatia pelo olho por olho violento?

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Cidade feminista: a luta pelo espaço em um mundo desenhado por homens. Leslie Kern.
Oficina Raquel • 256 pp. • R$ 55

A geógrafa canadense mostra que os espaços urbanos são pensados e construídos a partir das necessidades masculinas: eles reforçam as formas familiares patriarcais e estão segregados por gêneros, cabendo às mulheres o status de cidadãs de segunda classe. Kern se dispõe então a analisar os centros urbanos a partir de um olhar interseccional para apreender as opressões cotidianas no transporte coletivo, na segurança, nos banheiros públicos e na organização social como um todo. “Se é verdade que cidades são o patriarcado escrito na pedra — e a frase é da própria Kern —, também é verdade que uma cidade feminista emerge em inúmeras iniciativas da sociedade. Kern defende que a cidade feminista já existe, não precisa ser criada do zero pelo planejamento urbano. Ela é próxima e cotidiana”, escreve a colunista Bianca Tavolari na Quatro Cinco Um

Leia a resenha na íntegra.

Leia também: Organização sueca questiona cidades moldadas pelo e para o automóvel individual; filósofo francês parte de metáfora da cidade como texto para explorar os aspectos estéticos e políticos do meio urbano.

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Eric Hobsbawm: uma vida na história. Richard Evans.
Trad. Claudio Carina • Apres. Luiz Inácio Lula da Silva • Contracapa Fernando Henrique Cardoso • Crítica/Planeta. 728 pp. • R$ 159,90

O historiador britânico, regius professor da Universidade de Cambridge até 2014, quando se aposentou, narra a vida de seu colega, provavelmente o historiador mais lido em todo o mundo — autor de uma série de sucessos desde A era das revoluções (1962) até A era dos  extremos (1994). O próprio Hobsbawm já tinha publicado uma autobiografia em 2002, mas escreveu mais sobre o mundo que conheceu do que sobre sua vida. Nascido no Egito, passou a infância em Viena e viveu em Berlim até os dezesseis anos, quando a ascensão de Hitler levou sua família de volta para a Inglaterra. Evans foca sua reconstituição na carreira acadêmica e seu envolvimento com a esquerda britânica.

Leia também: Em textos sobre a América Latina, Hobsbawm critica os erros da esquerda e receita Adam Smith para combater o narcotráfico.

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De passinho em passinho. Otávio Júnior.
Ils. Bruna Lubambo • Companhia das Letrinhas • 32 pp. R$ 39,90

Ganhador do prêmio Jabuti de 2020 na categoria infantil com Da minha janela, o escritor, ator e produtor teatral fala da dança que nasceu nos bailes funk do Rio de Janeiro e, desde 2018, é considerada patrimônio cultural imaterial da cidade. Ela mistura elementos do samba, do frevo e da capoeira, sempre sobre uma base funk, na batida de 140 ppm. “O passinho é uma grande ferramenta de inclusão, extrapola a dança. Está ligado a festivais, estudos, além de se conectar a outros gêneros urbanos, brasileiros, africanos, caribenhos”, diz o autor em entrevista a Iara Biderman, que escreve sobre o livro na edição de julho da Quatro Cinco Um. Leia a resenha na íntegra.

Leia também:kuduro segundo nosso colunista Kalaf Epalanga; a musicalidade do livro infantojuvenil de bell hooks.

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São Paulo. Andrés Sandoval.
Amelì • 12 pp. • R$ 38

O artista gráfico e ilustrador faz um mapa fantástico da cidade de São Paulo, que destaca seus pontos mais significativos, com doze locais que merecem ser visitados, como o Museu de Arte de São Paulo, o Teatro Oficina, o Parque Estadual da Cantareira e o Pico do Jaraguá. Os desenhos sugerem passeios que podem levar alguns dias ou uma vida inteira. Sandoval participou da 10ª e da 12ª edições da Bienal de Arquitetura de São Paulo e tem desenhos publicados pelas editoras Companhia das Letras e Planeta Tangerina e pelas revistas The New Yorker e piauí. Neste mês, lançou também o livro Caramba! A historia secreta dos carimbos, pela editora Todavia.

Leia também: Andrés Sandoval mostra por que é um dos mais interessantes artistas visuais em atividade no país, por Agnaldo Farias.

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Adeus, Gana. Taiye Selasi. 
Trad. Isadora Prospero • Planeta/Selo TusQuets • 352 pp. • R$ 56,90

Com origem nigeriana por parte de mãe e ganesa por parte de pai, Taiye Selasi nasceu em Londres, cresceu em Boston, morou em Roma e Berlim e hoje vive em Lisboa. Seu primeiro romance, publicado em 2013 e traduzido para mais de vinte idiomas, narra a história de uma família de imigrantes africanos radicados nos Estados Unidos. A trama começa com a morte do pai, um cirurgião renomado, mas que acabou demitido do hospital em que trabalhava e, sentindo-se humilhado, abandonou a mulher e os filhos. A família se dispersa pelo mundo e só volta a se reunir para o funeral e para entender as razões de sua separação.

Leia também: Muryatan Barbosa expõe o trabalho intelectual para definir a identidade africana e construir uma sociedade pós-colonial.

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Lacan ainda: testemunho de uma análise. Betty Milan.
Zahar/Companhia das Letras • 120 pp. • R$ 54,90

A escritora e psicanalista paulistana, que foi assistente de Lacan na Universidade de Paris, expõe seu método de trabalho por meio de um testemunho sobre sua análise com o francês, realizada entre 1973 e 1978. Milan é autora de diversos livros, entre romances, ensaios, crônicas e peças de teatro.

Trecho do livro: “A análise com Lacan não me curou definitivamente da angústia, mas mudou a minha vida. Me permitiu aceitar as minhas origens, o meu sexo biológico e me tornar mãe. Isso, por um lado, aconteceu graças ao interesse real dele pela mudança. Por outro, graças à maneira como trabalhava e que, ainda hoje, causa indignação”.

Leia também: Catherine Millot, que se analisou com Lacan enquanto era casada com o psicanalista, escreve livro de memórias.

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Lugar Nenhum: um atlas de países que deixaram de existir. Bjørn Berge.
Trad. Leonardo Pinto Silva • Editora Rua do Sabão • 240 pp. • R$ 69

O colecionador de selos norueguês Bjørn Berge conta histórias sobre cinquenta países que desapareceram entre 1840 e 1970, mas que chegaram a emitir seus próprios selos. É o caso do Reino das Duas Sicílias (que aparece no romance O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa), do Biafra (que foi destruído durante uma sangrenta guerra na Nigéria entre 1967 e 1970), do Estado Livre de Orange (arrasado pelos ingleses durante a segunda guerra dos Boeres, de 1899 a 1902) e da Carélia Oriental (que durou apenas algumas semanas durante a Guerra Soviético-Finlandesa de 1922). Arquiteto por formação, Berge é um dos fundadores da Gaia Architects, que desenvolve técnicas pioneiras em construção sustentável.

Leia também: Jornalista norueguesa escreve sobre viagem que fez pelas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central décadas depois da queda da URSS.

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Mão na luva. Oduvaldo Vianna Filho.
Org. Maria Sílvia Betti • Temporal • 132 pp. • R$ 56

Escrita em 1966, a peça permaneceu inédita até a morte do autor, em 1974. Ela narra a crise no relacionamento de um casal de classe média, cujos problemas pessoais e dilemas profissionais se entrelaçam com os impasses econômicos e políticos do país. Na trama, entrecortada por recordações do passado, a mulher anuncia o desejo de terminar o casamento com o marido, um jornalista de esquerda que está se vendendo ao regime. Vianna Filho foi participante ativo do Teatro de Arena e fundador do Centro Popular de Cultura da UNE e do Grupo Opinião. Entre suas obras de maior sucesso está a série de televisão A grande família. Neste domingo, 4 de julho, faz 85 anos de seu nascimento.

Leia também: David Hare põe em cena personagens reais — jornalistas, banqueiros, autoridades e até a si mesmo — em peça sobre a crise financeira de 2008.

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #46 em abril de 2021.